Os leitores, onde estão os leitores?
Pesquisa confirma a nossa suspeita: leitores de livros, no Brasil, são minoria da população; junto com a violência, a desigualdade, o reacionarismo, isso é parte da tragédia nacional
No mundo da literatura, que, afinal, é o nosso mundo, as notícias não são das melhores.
Somos oficiamente minoria. Somos poucos, miseravelmente poucos.
Essa é a conclusão pura e dura da última pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, feita pelo Instituto Pró-Livros e pelo Ministério da Cultura.
Depois de 5.504 entrevistas em 208 municípios, com uma margem de erro de apenas um ponto percentual, o estudo encontrou dados desanimadores.
Ou melhor, não encontrou. Não encontrou muitos leitores.
Segundo a Retratos, só 47% da população brasileira pode ser considerada leitora (isto é, leu ao menos um livro, integralmente ou em parte, nos 3 meses anteriores ao levantamento). É o menor índice desde 2007, quando foi adotada essa definição.
Se formos mais rigorosos e delimitarmos o corte apenas entre quem leu um livro inteiro nos últimos três meses, o percentual cai para 27% — na edição anterior do estudo, de 2019, eram 31% dos brasileiros.
Por ano, a média de livros lidos, entre quem ainda os lê, é de apenas dois volumes. Novamente, o menor índice em quase duas décadas.
O que será que está acontecendo?
O que há de errado conosco?
Não sei se você já viu esse filme antes. Eu, definitivamente, sim. Em 2014 escrevi uma crônica, no Estadão, em que lamentava a média de quatro livros devorados anualmente por nossos leitores.
Estava impactado, lá como cá, pela divulgação da Retratos da Leitura daquele ano.
Eu me queixava e já então era pessimista, mas não contava que exatamente uma década depois o índice de leitura caísse pela metade, de quatro para dois livros anuais.
Naquela crônica, eu dizia:
E agora, o que estará acontecendo exatamente agora no Brasil? Quais barbaridades?
Parece que há uma deprimente conexão entre tudo isso. No trânsito, na avaliação escolar, numa ironia incompreendida. No aluno que plagia ou que empurra os estudos com a barriga. No fato de que lemos em média 4 livros por ano — e o índice cai a cada nova edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil. Na ignorância dos que culpam o decote pelo estupro, a democracia pela insegurança pública. Nos que culpam sempre o outro sem olhar para o próprio umbigo.
Nessas e em tantas outras situações do dia a dia há uma conexão deprimente. Há uma espécie de Teoria dos Seis Graus de Separação em vigor no Brasil. Não aquela que diz que estamos todos a no máximo seis contatos de qualquer outro ser humano no planeta, mas uma versão distorcida e bizarra da teoria...
Será que no Brasil estamos todos a no máximo seis passos da ignorância total, da caverna, da escuridão, do estupro coletivo? O perigo não mora ao lado; mora em nós. Somos ignorantes, toscos, muito violentos. Passivos e arrogantes. Uma mistura explosiva de intolerância e prepotência.
Estamos discutindo, em pleno século 21, se tortura é legal, se estupro é culpa da roupa, se linchamento é justiça, se polícia pode prender para "averiguação", se é melhor milícia ou tráfico.
(excerto de minha crônica “O que há de errado conosco”, publicada em abril de 2014)
Como você já deve ter notado, a pauta pública não mudou muito, desde então.
No mesmo dia em que escrevo este artigo, em 2024, meus amigos mandam notícias da brutalidade policial em São Paulo e leio sobre a tentativa da Câmara dos Deputados de fazer a já tímida lei do aborto no Brasil retroceder até que não reste nada além de trevas.
Por isso eu dizia: parece que há uma deprimente conexão entre tudo isso.
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