Da diferença de uma prenda e um presente
Viva!
Como estão vocês?
Neste momento escrevo diretamente da casa do meu querido amigo Ênio, com quem trabalhei nas salas de aula de uma faculdade de São Paulo, e que hoje mora na Alemanha, em Berlim.
Está frio, muito frio lá fora, mas as amizades sempre aquecem o coração, ainda que fisicamente os amigos possam estar distantes.
É o caso. O Ênio foi passar o Natal no Brasil, e seu presente para mim foi oferecer a casa (e uma garrafa de vinho) para que eu aproveitasse as feirinhas de natal alemãs com a minha família. Foi um presentão, como vocês podem imaginar. A minha mãe é louca por Natal, então um sonho dela era passar essa data de feirinha em feirinha, curtindo a decoração iluminada, as canções tradicionais, com um copinho de quentão na mão.
Meu amigo está longe e perto. A casa dele é impregnada da sua presença. A decoração é ao mesmo tempo delicada e festiva, cheia de cor e personalidade. Sinto-me também em casa.
Lembrei de uma coisa curiosa. Os portugueses no dia a dia costumam chamar o presente de “prenda”. Um amigo dá uma prenda a outro. Com a prenda, querem ofertar alguma coisa que enriqueça a vida de quem a recebe, seja no aspecto material, seja no abstrato - psicológico, emocional, espiritual.
Mais raramente, usam o termo “presente”, tão comum no Brasil. Dia desses, um locutor de uma rádio lusitana estava falando sobre o Natal e suas tradicionais prendas. Hesitou um instante e, logo após usar a palavra, corrigiu-se. “Prenda, não. No Natal devemos falar em presente.” Dali em diante, usou apenas a expressão a que nós estamos tão acostumados.
Alguns amigos portugueses não souberam explicar a diferença ou se aquilo seria um modismo inspirado, talvez, por novelas (digo, youtubers) brasileiras.
Aquilo ficou comigo. Ruminei o tema por alguns dias. Lembrei da expressão inglesa “gift” e do espanhol “regalo”. Parece que menos frequentemente usam algo como o nosso “presente”. Fui pesquisar em dicionários e enciclopédias portugueses e descobri que de fato (ou melhor, de facto), existe uma diferença.
Se a prenda propõe um enriquecimento, que também significa um pequeno sacrifício que a pessoa fez por nós, tirando algo de si para ofertar a outro, o presente é a oferta de nossa presença. Por meio do presente estamos presentes.
O presente é qualquer coisa de uma outra esfera: não se trata de um sacrifício, mas de uma alegria. Não é subtração e soma, mas soma e soma, ou, se preferirem, divisão e divisão. É de mim para ti, um pedaço, uma vela sempre acesa, uma presença.
Achei tão bonito isso.
Já faz um tempo que não ligo muito para presentes. Não tenho nenhum pedido especial, nenhuma ansiedade particular. Entendo, enfim, minha mãe, que dizia que não queria nada de Natal: os filhos por perto eram alegria suficiente. A celebração em si.
Não é que eu não queira ter ou ganhar nada, quero infinitas coisas, simultaneamente. Mas, quando estou entre família e amigos (ou na casa do Ênio), vejo que essas coisas não prestam para ser compradas, embaladas e pousadas à beira de um pinheirinho - embora, é claro, possamos tentar.
Um presente é sentir brotar aquele sorriso discreto quando lembramos de um causo qualquer. É olhar para um lugar ou objeto e sentir a presença de alguém querido. É matar uma saudade que a gente nem sabia que tinha, sentir-se tomado por um abraço.
Olhar para a vida inteira, por um segundo, e conseguir agradecer sem motivo.
Nada pedir, nenhum anseio pelo qual ansiar.
Bons presentes a todos e todas. Que estas palavras me façam presente em suas vidas, da maneira mais gentil, agora e sempre que preciso.
Bom Natal!
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Amei o texto! Que bom que estão passando o Natal em um lugar há muito desejado, e com todas essas incríveis feirinhas natalinas! ❤️